Série de 12 episódios tem um total de seis horas de duração
Antes mesmo de “A menina sem qualidades” ser lançado no Brasil, em 2009, o diretor Felipe Hirsch recebeu do tradutor Marcelo Backes a versão em português do romance escrito pela alemã Juli Zeh. Tomou um susto, como tomam sustos praticamente todos os que leem o livro. É uma história sobre adolescentes completamente diferente das que estamos acostumados a ver, sobretudo na televisão.
O desejo inicial de realizar uma peça se transformou no projeto de uma grande série de 12 episódios, com um total de seis horas de duração. “A menina sem qualidades” é a primeira série de dramaturgia produzida pela MTV Brasil – em parceria com os Estúdios Quanta e Quanta Post. A estreia acontece em 27 de maio, serão exibidos quatro capítulos por semana, de segunda a quinta, às 23h.
“Não estamos inaugurando um segmento na MTV. Queremos, antes de tudo, surpreender nossa audiência, falando a língua dos jovens com liberdade, sem julgamentos, sem pudores. É um conteúdo mais sofisticado do que se encontra na TV aberta”, afirma Helena Bagnoli, diretora geral da MTV Brasil.
Segundo Hirsch, o motor da série é o impacto que a história causa em qualquer pessoa que tem contato com ela. “É normal a diferença entre gerações, com valores, juízos e padrões mudando muito de uma para outra. Mas o livro da Juli radicaliza esse processo.”
Na trama adaptada por Hirsch, Marcelo Backes e Renata Melo, os protagonistas Ana (Bianca Comparato), de 16 anos, e Alex (Rodrigo Pandolfo), de 18, chegam a se considerar pós-niilistas – nem no “nada” eles acreditam. Até nesse aparente vazio existe uma crença, como Hirsch ressalta, mas os dois demorarão a perceber isso.
Em boa parte da série, eles acabam dominando colegas mais frágeis, como Toni (Geraldo Rodrigues) e Joana (Tutti Muller), magoando outros, como Olavo (Rodrigo Pavon), e confrontando professores da escola particular em que estudam, em São Paulo. O erudito Hoffmann (Eduardo Moreira), que dá aulas de História, tem um final trágico. O argentino Tristán (Javier Drolas, do filme “Medianeras”), que tem um passado de preso político durante a ditadura militar em seu país, corre esse risco ao se render a uma chantagem de Ana e Alex, mas acaba se envolvendo de verdade com a adolescente, que também começa a nutrir um sentimento que antes só tivera por uma amiga de outro colégio, Selma (Gabriela Poester).
“Quando Tristán deseja Ana, transgride os padrões. E Ana vai se interessando aos poucos por ele, pela história de sua vida, por sua visão de mundo. Quebra também os seus padrões, a sua descrença”, diz Hirsch.
Antes de Alex ingressar na turma, Ana é uma menina muito inteligente que não parece querer romper seu isolamento, chegando a ser agredida por colegas em função de seu comportamento tido como estranho. Também inteligente mas manipulador, Alex se torna popular na escola, atrai Ana, confere poder a ela e a convence a participar da perigosa sedução a Tristán. O objetivo dele é testar os limites das regras sociais e provar que tudo na vida é um jogo.
“Ele pode não ser mais inteligente que Ana, mas é capaz de seduzi-la. Inclusive sexualmente, embora não faça sexo, pois se diz impotente”, conta Hirsch. “Alex tem uma psicopatia, uma visão extremamente pragmática do mundo. É esse mundo de hoje, em que, se a crueldade funciona, se é vista como algo que dá certo, é bem aceita. O pragmatismo se torna mais importante do que uma visão amorosa do mundo.”
Um dos encenadores mais premiados do Brasil, diretor da Sutil Companhia de Teatro (“A vida é cheia de som e fúria”, “Avenida Dropsie” etc.) e realizador de espetáculos com Fernanda Montenegro, Marco Nanini, Marieta Severo e muitos outros, Hirsch sempre foi apaixonado pelos chamados romances de formação, os livros que contam como um personagem passou pela adolescência e pela juventude. “O livro da Juli permite um sobrevoo poético sobre essa geração. Não é algo caricatural, como são muitos programas de TV que têm um olhar mercadológico sobre a juventude, pois precisam vender produtos associados a ela. Acho uma grande coragem da MTV botar outra textura no ar”, diz o diretor.
A relação da emissora com Hirsch começou em 2012, quando ele dirigiu o tributo à Legião Urbana com o ator Wagner Moura cantando ao lado de Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. A vontade das duas partes de realizar um bis culminou em “A menina sem qualidades”, uma produção fora da rotina da TV brasileira.
A série trata de maneira muito direta de sexo entre adolescentes, violência psicológica, suicídio e outros temas que ainda podem ser vistos como tabus quando se encara o telespectador como mero consumidor.
E ainda é uma produção de qualidade só vista no cinema. No caso, equivale a um longa-metragem de seis horas. A direção de fotografia é do peruano Inti Briones, que foi listado pela revista “Variety” como um dos dez profissionais em sua área nos quais o mundo deve prestar atenção em 2013. “Normalmente, para fazer um projeto de TV, avalio qual é o compromisso da produção, se há um espírito criativo com vontade de investigar a linguagem, de descobrir novas coisas. Para mim, é importante que haja na TV uma produção audaciosa. E este é o caso. A MTV não perdeu o espírito inovador e a busca autoral”, diz Briones, que diz estar evitando na série uma “visualidade artificial” e buscando “a beleza no simples”. “Estamos usando uma câmera solta, mas não enlouquecedora. Ela é livre, leve e varia os suportes de acordo com o sentido do que se está narrando: steady, dolly, câmera na mão, até Iphone. Queremos dar uma textura diferente a cada ponto de vista de nossos maravilhosos personagens adolescentes.”
Hirsch, que já dirigiu com Daniela Thomas o filme “Insolação” (2009), comandou para “A menina sem qualidades” uma seleção de elenco que começou com 9 mil inscritos no site da MTV. Foram escolhidos 60, depois 30, até se chegar aos 15 que formam o núcleo principal de jovens – mas há dezenas de pequenas participações e figurantes.
Bianca Comparato foi chamada para um teste pelo diretor, mas ele já a conhecia de outros trabalhos no teatro e na TV. Ela vem de uma atuação expressiva na novela “Avenida Brasil”, da Rede Globo. “Eu estava esperando uma oportunidade como essa. A cada aumento da complicação do roteiro, mais eu me interessava”, diz a atriz, de 27 anos, que realizou um intenso trabalho corporal para viver uma adolescente de 16. “Ana é bem diferente de mim no seu jeito. Mas a polêmica da história vai fazer as pessoas pensarem.”
Rodrigo Pandolfo, de 28, é outro com trabalhos de destaque no teatro, como “O despertar da primavera”, e na TV (“Cheias de charme”), situação que estimulou Hirsch a convidá-lo para o difícil papel de Alex. “A vida não pode ser tão fácil para atores que têm talento”, diz o diretor.
Wagner Moura faz uma participação como o pai de Alex. Os personagens poloneses do romance viraram argentinos na série, e para interpretá-los Hirsch chamou atores reconhecidos no país vizinho. Além de Drolas, Inês Efron (“Medianeras”, “XXY”) vive Bianca, a sofrida mulher de Tristán. “São dois grandes atores. Javier é um dos maiores com quem eu já pude trabalhar”, exalta o diretor, que diz não ver nenhuma diferença entre a série que está realizando e um filme. “Tudo está sendo feito, inclusive, pensando-se em tela grande. Tem todos os cuidados e requintes de um longa-metragem.”
Serviço
A menina sem qualidades
Estreia: 27 de maio
Exibição: segunda a quinta, às 23h - 12 episódios
Reprises: segunda a quinta, à 00h30 / segunda a quinta, às 22h30 / maratona com os 4 episódios da semana em sequência na sexta, às 22h, no sábado às 23h e no domingo à 00h
Classificação Indicativa: 16 anos