Em 1972, fiz parte de um grupo de jornalistas que viajou a convite da Ford para a Europa e os Estados Unidos porque a empresa promoveria uma clínica para ouvir proprietários de automóveis médios sobre o lançamento de um novo modelo no mercado brasileiro. A empresa quis saber a nossa opinião sobre dois modelos da época: o norte-americano Maverick e o alemão Ford Taunus.
Como queria garantir sigilo sobre essa pesquisa de opinião pública decidiu convidar os jornalistas mais atuantes para uma viagem internacional que os mantivesse longe de suas fontes de informação. E, naturalmente, nada divulgassem para o mercado brasileiro.
Foram 25 dias de viagens que envolveram a fábrica do Ford Cortina na Holanda; escritório da empresa na Bélgica; fábrica do Ford Escort, Cortina e Granada, além da pista de testes de ralis na Inglaterra e, também, fábrica da Alemanha, onde eram produzidos o Escort, Granada e Taunus.
Após a fase europeia a viagem seguiu para os Estados Unidos, para apresentar os laboratórios de desenvolvimento, a pista de testes, linha de montagem de Detroit, onde produzia o luxuoso Ford Fairlane, o Thunderbird, o esportivo Mustang e o sofisticado Lincoln Continental.
A viagem representou uma espécie de MBA automotivo por ensejar aos profissionais brasileiros, em menos de um mês, uma experiência que levaria anos para ser transmitida. Foi a primeira e única oportunidade de uma demonstração tão completa para os profissionais automotivos.
Depois desse banho de cultura automotiva fomos visitar o Salão do Automóvel de Los Angeles, com a presença de marcas dos Estados Unidos, Canadá e Europa, além das japonesas Honda e Toyota, o que Henry Ford II definiu como um novo Pearl Harbor dos japoneses, dessa vez no mercado automotivo norte-americano.
Foi uma viagem excelente porque mostrou praticamente tudo o que a Ford produzia no mundo, além de seus laboratórios, departamento de estilo onde os carros são projetados, pista de testes de todos os modelos produzidos além da oportunidade de conhecer o, na época, inédito, Salão de Los Angeles.
Nessa viagem, também tomei conhecimento, pela primeira vez, da preocupação da indústria automobilística com o meio ambiente e a preservação ambiental. O chefe de engenharia da Ford comentou que o Brasil tinha no álcool um grande trunfo na futura luta para evitar a emissão de CO2. Foi a primeira vez que ouvi essa afirmação.
Além de conhecer os diferentes sistemas de produção de várias fábricas, os jornalistas tiveram oportunidade de entrevistar diretores de diferentes áreas, engenheiros, pesquisadores, artistas de design e sentir a emoção de acompanhar um piloto internacional em pista apropriada para demonstrar como se dirige um carro preparado para as competições de rali.
Um verdadeiro Fórmula 1 das estradas. Uma experiência extraordinária ao lado de pilotos campeões mundiais da modalidade.
O encerramento do programa ocorreu no Salão de Los Angeles, onde vivi outra experiência fantástica com um episódio surpreendente que me levou a ficar dividido entre três possibilidades: demonstração de civilidade do público norte-americano; o respeito à propriedade alheia ou o temor por qualquer ação terrorista.
Ao chegarmos ao Salão de Los Angeles e após a apresentação realizada pela Ford das novidades de seu estande, ficamos livres para conhecer os lançamentos das demais marcas.
Depois de percorrer o salão e registrar imagens em uma câmera Nikon de último modelo que o Jornal da Tarde me emprestou, o companheiro Mauro Ivan Pereira de Mello, diretor de redação da revista Quatro Rodas pediu-a por empréstimo porque a dele apresentara um problema.
Cerca de duas horas depois, ao regressar para o estande da Ford e me ver, pôs a mão na testa e saiu correndo.
Não entendi imediatamente, mas depois de alguns minutos depois o Mauro Ivan chegou sorridente, comemorando o fato de ter encontrado a câmera emprestada.
Claro que fiquei preocupado com o que iria dizer no jornal a respeito da perda da câmera a mim confiada.
Ele havia esquecido em um banco, onde parou para tentar destravar o equipamento. Ao conseguir, satisfeito com o êxito, levantou-se para completar o trabalho deixando a câmera sobre o banco.
O equipamento ficou aproximadamente duas horas sobre o banco por onde passaram milhares de visitantes que não se apoderaram do valioso objeto.
Ao chegar mostrando a câmera, fiquei tranquilo e, ao saber da história, o grupo de jornalistas brasileiros demonstrou admiração e surpresa para o sucedido. Todos ficaram divididos sobre o fato de ninguém ter se apoderado da câmera ou chamar um segurança do evento para guarda na seção de achados e perdidos e, usando sistema de comunicação interna, informar o encontro de um importante equipamento.
Até hoje me pergunto: civilidade, respeito ao bem alheio ou medo de um atentado terrorista?
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