Para um tempo em que falar da morte é obsceno e improdutivo
Após cinco anos em cartaz com o bem-sucedido Bartleby, baseado na obra de Herman Melville, a atriz Cácia Goulart retorna aos palcos com projeto autoral e inédito. A Morte de Ivan Ilitch, adaptada do clássico homônimo do autor russo Liev Tolstói, estreia em São Paulo dia 30 de outubro com uma delicada e contundente reflexão sobre vida e morte.
Ao mobilizar um aparato literário sofisticado em torno da trajetória patética de um homem mediano, tornado moribundo no auge da sua ascensão, Cácia Goulart coloca em movimento um assombroso exame de consciência que põe por terra toda a farsa que reveste e sustenta a representação social e ontológica que temos de nós mesmos.
Para a atriz, a triste figura de Ivan Ilitch se impõe e se atualiza como o reflexo espectral do homem contemporâneo. Porque o imperativo burguês triunfou em proporções planetárias, e o homem aí produzido se instituiu, se reproduziu e foi naturalizado. É a este homem, portanto, alojado em cada um de nós, que Ivan Ilitch insiste em provocar, exortando-nos pelo seu testemunho de moribundo, a uma tomada de consciência radical sobre a vida que nos foi legada e sobre a que pretendemos legar.
Cácia Goulart
Ao longo dos seus 15 anos de carreira, a atriz Cácia Goulart tem se destacado por desenvolver uma proposta que associa literatura à expressão teatral, trazendo à tona os temas mais pungentes da condição humana. Assim foi com Bartleby, de Herman Melville, sucesso de crítica ao longo dos cinco anos em que esteve em cartaz em diversas salas brasileiras, e que rendeu à Cácia indicação ao Prêmio Shell/SP de melhor atriz, em 2008.
Agora, pela primeira vez em trabalho solo, Cácia Goulart redescobre em outro clássico literário tema e abordagem que tocam de perto o homem do nosso tempo. Tão de perto, aliás, e tão incômodos, que não se tem feito mais do que interditá-los, condenando-os à uma zona de silêncio e de cinismo: o nosso tempo é relutante em admitir a própria finitude, morrer ou falar da morte é “improdutivo”. Disposta a tratar honestamente da questão, tocando nesse calcanhar de Aquiles da pretensa autossuficiência do homem contemporâneo, Cácia se desdobra na atuação, direção e dramaturgia do novo espetáculo, A Morte de Ivan Ilitch, baseada no clássico homônimo do escritor russo Liev Tolstói a partir da tradução de Boris Shnaiderman. O mais famoso moribundo da literatura universal vem então se juntar à galeria de homens infames que a atriz costuma dissecar nos palcos.
A montagem de A Morte de Ivan Ilitch, por Cácia Goulart
Em 2010, após velar a mãe por dois meses em seu leito de morte, vítima de um câncer na vesícula, Cácia viveu uma experiência que a fez questionar profundamente o absurdo de sermos para a morte. Durante o luto, releu a obra de Tolstói. Agora, aos 45 anos, idade que coincide com a morte do personagem Ivan Ilitch, a atriz traz para o processo criativo a sua própria narrativa, emoldurada nos embates desencadeados pela abordagem da obra. Traz também suas paisagens internas, constituídas por uma Minas Gerais ambígua, eloquente e ao mesmo tempo gótica, similar, simbologicamente, à Rússia descrita por Tólstoi.
Nesta livre adaptação dramatúrgica feita na parceria entre a atriz e o também ator Edmilson Cordeiro, o espetáculo se serve de dois planos paralelos e complementares: o primeiro é o da atriz em cena, enunciando as bases da trama ou jogo cênico em vias de armar-se, sinalizando com habilidades e recursos narrativos a contextura de uma história que se desenrola. O segundo plano, solidário ao primeiro, desemboca na figura de Ivan Ilitch posta em cena por força da interpretação.
Com cenário intimista de André Cortez, figurinos de Marina Reis e iluminação de Lúcia Chedieck, a plateia é convocada a participar das mais sutis pulsações do embate decisivo entre vida e morte na alma humana. O adensamento do clima e as nuances poéticas e humorísticas se desenrolam num universo em preto e branco, evocando um filme noir que imprime o tom de mistério à falência de uma vida controlada, destituída do colorido de uma vida plena. A música original composta por Marcelo Pellegrini sustenta e pontua a estrutura dramatúrgica, arrematando a ambiência do espetáculo.
Serviço
Espaço Redimunho de Teatro
Rua Álvaro de Carvalho, 75 (Próximo ao metrô Anhangabaú)
Quando: de 30 de outubro a 07 de dezembro de 2013
Quarta à Sábado às 20h
Telefone: (11) 3101.9645
Ingressos serão vendidos com 02 horas de antecedência na bilheteria do Teatro (quarta à sábado)
Valor: R$20,00 e R$10,00 (meia)
Lotação: 50 espectadores
Dinheiro ou cheque
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