Artista carioca traz seu universo azulado ao público de São Paulo com a mostra individual Ainda Viva
De 31 de outubro a 26 de novembro, o carioca Pedro Varela apresenta trabalhos inéditos na exposição individual Ainda Viva, na Zipper Galeria. A abertura está marcada para sábado, dia 29, das 14h às 18h no mesmo local. Varela preparou para a ocasião cerca de 10 de obras, além de um conjunto de desenhos feitos em papel de arroz.
Segundo Varela, o título de sua exposição é uma tradução livre do termo Still Life, estilo de pintura dos séculos XVI e XVII originado no norte da Europa e Países Baixos. Nela, o espectador poderá ver pinturas e desenhos de natureza morta, paisagens e vanitas (muito comuns na arte funerária medieval, de aspecto sombrio, mas que, na obra de Pedro, ganha tons fortes e coloridos).
Há que se reparar no grande uso do tom azul nesses trabalhos também, que reúne parte das pinturas. Em grandes áreas, o azul ganha efeitos aguados similares a aquarelas, mas que são, na verdade, criados com acrílica sobre lona. Em outras peças, o azul ainda recebe pontos coloridos mais específicos.
Todos os trabalhos são construídos através de justaposição de diferentes referências e estilos presentes na história da arte, arquitetura, ilustração etc. “Mas acabam se misturando e criando novas formas, de maneira que o referencial original se desconecta da imagem que está no trabalho, provocando uma sensação de déjà vu no espectador, que não consegue reconhecer a referência, mas pensa já ter visto algo parecido, revela o artista.
Nos trabalhos desta exposição, algumas das pinturas retratam lugares perdidos ou imaginários como Atlântida, florestas psicodélicas, e jardins submersos; outras mostram naturezas mortas, que são um gênero considerado perdido na história da arte e que interessaram a Pedro Varela justamente por isso. “O nome Ainda Viva é também uma referência clara às sucessivas mortes da pintura, proclamadas desde o surgimento da fotografia até hoje. E aproveito esta situação da pintura, de parecer desconectada de seu tempo, para criar trabalhos que falam de mundos imersos numa atmosfera de fábula, num tempo que parece não existir, que não é passado nem futuro”, esclarece Varela.
Um caminho sem fim a vista?
por Juliana Monachesi
As pinturas, desenhos e colagens de Pedro Varela costumavam ser uma espécie de encontro entre Julie Mehretu e Franz Ackermann, ou entre Corinne Wasmuht e Matthew Richie: arquiteturas sugeridas em meio a um caudal de referências da abstração geométrica e informal. Sua “fase branca” veio complicar um pouco as coisas, mas, apesar de as obras tirarem o foco da pesquisa de cor do artista, mantiveram a interpretação do assunto central como sendo uma arquitetura onírica, mistura de referências concretas com cidades imaginárias. A presente exposição de Varela na galeria Zipper termina de complicar as coisas, porque a temática urbana perdeu espaço para paisagens e naturezas-mortas e as cores voltaram, com predomínio do azul. E aqui é que tudo fica de fato interessante.
Ao abandonar a moeda corrente da arquitetura inventada e da fragmentação do mundo atual, Varela se distancia de um vocabulário tido como “contemporâneo” e se aproxima de uma voz mais autoral, ou pelo menos mais particular. Não se pode falar de uma noção forte de autoria porque o que o artista busca, ao longo de toda a sua produção e sobretudo nestes novos trabalhos, é uma mistura irreconhecível de gêneros e motivos onipresentes na história da arte e da cultura ocidental. O que há de particular, de próprio, nas obras desta exposição é a mestiçagem do imaginário dos artistas viajantes dos séculos 17 a 19 sobre o Brasil e a afirmação tropicalista de uma identidade antropofágica para o país.
O clima neobarroco das obras, que oscilam entre o extremamente ornamental e o extremamente sintético, junto da paleta antagônica, que mistura momentos lisérgicos com azuis aguados e meditativos, resulta em pinturas fora do tempo. Além disso, a escolha pelo artista dos motivos representados é menos reconhecivelmente contemporânea, o que reforça seu aspecto imemorial. “A ideia de Ainda Viva é simples. É uma exposição que apresenta praticamente naturezas-mortas e paisagens, duas categorias secundárias criadas pela academia de arte e que foram completamente abandonadas pela modernidade. Nesta exposição eu quis deixar clara a minha vontade de trabalhar com coisas esquecidas, métodos abandonados”, conta Varela.
Uma indiferenciação entre paisagem e décor, em que estes dois universos antagônicos se mostram intercambiáveis, revela uma maturação do que antes era resolvido por meio da convivência entre pintura e colagem: as instalações que se espraiavam pelo espaço, em que um desenho emoldurado transbordava para fora, continuando na superfície da parede até se conectar com outro e assim por diante, encontram aqui uma potente síntese. Ainda Viva faz referência à tradição das vanìtas e da documentação botânica, mas acima de tudo se refere à pintura e à possibilidade de encontrar brechas ainda não preenchidas neste discurso tão anacrônico quanto atemporal.
Pedro Varela (por Paula Braga)
Petrópolis, 1981. Vive e trabalha em Petrópolis, Rio de Janeiro.
As cidades que Pedro Varela desenha remetem muito mais à literatura do que a qualquer referência nas artes visuais. Como se esperassem um texto de Borges para as acompanhar, cuidam de manter grandes espaços em branco no papel. Podem ser miragens vistas à distância por um personagem das Mil e uma Noites, cidades com nomes de mulheres como as de Italo Calvino, ou castelos de um conto que guardamos da infância de nossa experiência literária.
A essas alusões ficcionais misturam-se prédios que conhecemos de lugares reais: já vi esse em Chicago, aquela cúpula está na Sé, ali a torre de Ontário. Misturados a morros, essas cidades têm todas um certo sotaque carioca: onde mais senão no Rio de Janeiro se vê um castelinho ao lado de uma pedra monumental que parece apoiar o arranha-céu? E assim esses desenhos vão escorrendo de canetas esferográficas e, vivos como uma urbe, não respeitam a fronteira do papel, invadem a parede e zonas de risco como janelas. O vidro, aliás, é um suporte frequente para experiências de Pedro Varela: olhando de janelas por onde a caneta de Varela passou, podemos ver um castelo flutuar no céu ou plantas exuberantes brotarem do topo de um edifício de concreto. Varela constrói também seus mundos mágicos e fluidos com vinil adesivo colorido sobre papel, vidro, parede, chão ou o que quer que esteja no caminho e queira aderir a essa urbanização onírica.
Outro suporte que reforça o aspecto onírico do traço de Varela é o tecido esticado em bastidores redondos, que remetem a bolhas prontas para desaparecer levando embora as paisagens fantásticas. Desde 2008, as cidades de Varela aparecem também tridimensionais, construídas em papel branco, suspensas por fios ou finíssimas palafitas.
Virtuose do desenho e da capacidade de encantamento, Pedro Varela formou-se em gravura pela escola de Belas Artes da UFRJ em 2005 e já expôs em várias galerias do Rio de Janeiro, México e Chile. Em 2010 participará da exposição coletiva “Gigante pela Própria Natureza” no IVAN (Valencia, Espanha) e de uma individual no Paço das Artes, em São Paulo, como selecionado da Temporada de Projetos.
Ainda Viva, de Pedro Varela @ Zipper Galeria
Abertura: 29 de outubro, sábado, das 14h às 18h
Período expositivo: 31 de outubro a 26 de novembro de 2011
Rua Estados Unidos, 1494, São Paulo/ SP
Telefone: (11) 4306-4306
Zippergaleria.com.br
Segunda-feira a sexta-feira, das 10h às 19h/ sábado, das 11h às 17h
Grátis/ Livre
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